Foi com o imenso prazer que recebemos a tarefa de desenvolver o trabalho acerca de Plo-Mon-Dessu e Pagá-Devê. Sentimo-nos desde já gratos à professora Marta Gomes por nos ter incumbindo desta tarefa, bem como ao senhor Ayres major, funcionário da Casa da Cultura, que nos ajudou a conceber de melhor forma este trabalho.
Como todos sabem, o continente africano foi desde sempre caracterizado por variadíssimas práticas culturais ligadas ao binómio cristianismo/paganismo. S.Tome e príncipe, sendo um país Africano não foge à regra.
É neste sentido que no âmbito da disciplina de história e património foi-nos incumbido um trabalho acerca das manifestações culturais santomenses, mas concretamente «Pagá-Devê» e «Plo-Mon-Dessu», no qual abordaremos diversos temas como: o que significa Pagá-Devê? Os caprichos de Pagá-Devê, qual a sua importância para a população e possível ralação de Plo-Mon-Dessu com a igreja, a evolução do conceito Plo-Mon-Dessu, valorização do mesmo e Pagá-Devê enquanto elementos patrimoniais de S. Tome e Príncipe.
Ao longo do trabalho deixaremos depoimentos de factos verídicos ligados à Pagá-Devê e abordaremos alguns aspectos acerca do Plo-Mon-Dessu.
A noção de divida, assume na cultura são-tomense um carácter metafísico. O termo Pagá-Devê tem haver com algo submisso ao real, ou seja, dever alguém é ter alguma coisa por dar, portanto pagando o que deve ao individuo fica-se livre, de bem com o mundo e consigo mesmo.
Neste sentido quando se fala de uma vida exterior ao nosso mundo real, parece um pouco confuso entender e remete-nos para termos e crenças que deveremos tentar compreender, assim foi o nosso caso para melhor desenvolvermos este trabalho.
«Se estabelecermos uma relação com um mundo para além do nosso, é possível reconhecer que as pessoas trazem dívidas do outro mundo para este embora ficando esquecidas, que podem vir a afectar-nos de forma dramática.«
Esta amnésia é porem complexa: ninguém normalmente sabe se é devedor, a não ser que consulte um mestre para desvendar o seu passado metafísico.
Normalmente nunca se encontra um são-tomense interessado em saber se é devedor ou não. Pois o indivíduo que tem uma boa saúde, estabilidade económica, ausência de problemas matrimoniais, que é fértil, e é sexualmente activo, tem todos os indícios de que não tem dívidas para com o “outro mundo”.
Segundo o depoimento da avó Alice uma senhora de 68 anos, o devê é como uma maldição que trazemos do outro mundo. ela disse-nos que nem todos o trazem, somente aqueles que em outra vida deixaram alguma questão pendente com uma outra pessoa que neste caso deixa de ser pessoa e passa a ser espírito, e que atormenta o individuo até que o pague tudo o que deve.
Devemos confessar que está questão no princípio até nos parecia uma fantasia, mas com o trabalho passamos a ser conhecedores de testemunhos verídicos que vos iremos transmitir ao longo do trabalho.
Existem devê que podem ser pagos em diversos lugares consoante a vontade dos espíritos.
A senhora fez-nos saber, também, da existência dos devê que não se conseguem pagar à primeira, segunda, nem na terceira vez, como o exemplo uma senhora que chegou a pagá-lo dezassete vezes mas sem sucesso, só pela 18º vez é que ficou totalmente curada, isso porque os espíritos exigem coisas diversas como: comida, doces, flores, mesas, pratos (de vidro e de barro), açúcar e outros. Quando alguma dessas coisas não é entregue, tudo tem de ser feito novamente.
Esta questão do «Pagá-Devê» obriga-nos a levantar algumas questões: será que não passa de um mito inventado? Será que os mantimentos que os curandeiros pedem em nome dos espíritos não serão apropriados pelos mesmos após o ritual?
Quanto à primeira questão não estamos em condições de responder, apenas podemos dar o nosso ponto de vista, pode até ser um mito inventado, mas que tem alguma relação com a realidade isso não podemos negar, os factos falaram por si, e quanto à segunda pergunta, geralmente quando os devê são pagos, esses objectos são atirados ao fundo de mar e ou do rio.
Partilhamos da mesma opinião que é, existe uma relação entre a teoria da reencarnação e o Pagá-Devê, em que ambas defendem existir uma vida antes desta, ou seja, num outro mundo para alem deste, e no caso de Pagá-Devê trazemos algumas maldições que precisam de ser curadas. Se for uma invenção serão os curandeiros os autores da mesma.
Como já se puderam aperceber, a cerimónia de Pagá-Devê pode ser realizada em vários locais entre os quais numa praia.
O curandeiro e os seus tocadores “músicos”, acompanhado do devido “noivo” e a sua noiva e em média 8 crianças, dirigem-se a uma praia e num local isolado da mesma prepara-se tudo: o noivo veste-se de calças e camisas de manga e punho e a noiva com um vestido branco e véu. Após isto, o curandeiro junta vários tipos de comida como por exemplo: bolos, carne, arroz-doce entre outros num só prato branco. De seguida é entregue às crianças vários objectos como: colchões, almofadas, bandeiras, tudo feito de madeira. Algo importante a reter, as crianças não podem olhar para trás principalmente os noivos.
Depois de tudo preparado, dirigem se ao mar tocando e cantando (ô ô deçu padê lecebé ofeta de Esmy, o devido).
Já no mar o curandeiro atira tudo para o mar colocando depois um anel na mão dos noivos simbolizando o casamento. Após este ritual regressam cantando uma nova música (viva toda gente, viva, viva) rodeando e cantando em volta da mesa onde se faz por fim o banquete.
Infelizmente, o Pagá-Devê, não é devidamente valorizado em S. Tomé e Príncipe enquanto elemento cultural, assim, actualmente cada vez mais, torna-se difícil encontrar curandeiros (mestres) para dar continuidade a uma das crenças mais, misteriosas deixadas pelos nossos antepassados.
O que se deve a este facto?
Uma das explicações é que com o passar do tempo, os mais velhos têm falecido, levando com eles os conhecimentos do “ Pagá-Devê”. Esta crença é pouco valorizada pela nova geração, numa só família podemos encontrar: bisavó, avó, pai e filhos curandeiros, o que nos leva a considerar os curandeiros como um cargo herditáio, passada de geração em geração, e que agora está nas mãos dos filhos que pouco ou nada têm feito para sua continuação.
Podemos salientar que hoje em dia os curandeiros, não são vistos com bons olhos, geralmente quando se fala de curandeiros associa-se a feitiçaria o que tem levado muitos jovens a não seguir esta área, ou seja, muitas são as pessoas que não o consideram como um elemento cultural.
Quanto à Direcção Geral da Cultura, vimos não dar importância a esta prática enquanto elemento cultural porque considera não haver nenhuma relação entre a direcção e o chamado Pagá-Devê. Segundo as entidades estatais essa crença é relativamente importante, mas trata-se de um elemento cultural que é praticado de forma singular na qual o curandeiro se responsabiliza por todos os bens necessários para a tornar possível.
Assim, a Direcção Geral da Cultura, não pode dar apoios nem donativos de modo a promover este elemento cultural (pois não o considera como tal), como faz com outras manifestações, que em conjunto, tornam S. Tomé e Príncipe rico pela pluralidade cultural existente.
S. Tomé e Príncipe, enquanto um país rico pela sua pluralidade cultural, foi desde sempre marcado por diversos elementos culturais originados pelo encontro de vários povos ao longo da sua história. Podemos encontrar no meio desta diversidade o Plo-Mon-Dessu, que pode ser considerado um enigma dentro dos diversos elementos culturais são-tomenses.
PLO-MOM-DESSU
Como o próprio nome indica, significa pela mão de Deus.
É uma prática ritual/cultural que consiste em evocar o nome de Deus pedindo que traga saúde, bens financeiros, paz, alegria e outros bens que levarão ao benefício do evocador e seus próximos. Porém, esta prática não serve só para pedir a Deus coisas boas, ou seja, assume também um papel maléfico, consoante a necessidade do evocador (de praticar o bem ou mal).
Desde há séculos até algumas gerações atrás, via-se nas noites de quinta-feira santa nas capelas, em diversos quintais, indivíduos rezando e cantado. Por um lado o orador expunha o assunto e a assembleia respondia. Com o decorrer do tempo esta manifestação tal como tantas outras foram proibidas pelas autoridades coloniais. Este facto deveu-se à recusa dos são-tomenses em trabalhar nas roças, servindo assim como castigo à desobediência.
Por outro lado os colonos achavam que durante esta manifestação os praticantes estariam a conspirar contra os mesmos. Ora, depois de descolonização o Plo-Mon-Dessu surge totalmente diferente, ou seja, houve uma evolução no que concerne aos procedimentos desta prática cultural.
Actualmente, o Plo-Mon-Dessu é representado ainda nas quintas-feiras santas, porém durante a actuação exibem-se marionetas e também um grande boneco feito de corda de bananeira, vestido de preto denominados “Mé munhangú” que no decorrer da apresentação é levado a espancar. O mesmo simboliza Judas (que traio Cristo) e que no fim da apresentação é queimado.
Tudo isto foi introduzido pelo senhor Capela residente em Ototó e que faz parte do único grupo actualmente existente nos país. Todavia, o mesmo grupo está a um passo do desaparecimento, isto porque, o senhor capela “mestre” encontra-se muito velho e (segundo o mesmo) o seu possível sucessor “neto” ainda não sabe muito acerca desta matéria.
Foi com este famoso grupo, que já actuou em diversas zonas de Portugal, que foi introduzida uma nova vertente no Plo-Mon-Dessu, o chamado “Mé-munhangú”, que consiste em espancar um boneco preto de folhas de bananeira com o formato de homem simbolizando Judas “ traidor de Jesus Cristo”. Tudo isto leva-nos a considerar que existe uma relação entre Plo-Mon-Dessu e a crença cristã, na medida em que tal como no cristianismo, no Plo-Mon-Dessu existe a presença de Cristo e Judas, pelo que é fácil deduzir que esta é uma prática de influências cristã e que está relacionada com o catolicismo. Por outro lado, vimos que o ritual do Plo-Mon-Dessu, tem o seu ponto de partida na capela evocando cultos e rezas próprios do crente católico.
Desde o surgimento do Plo-Mon-Dessu até então, tem-se verificado um declínio existencial desta actividade cultural. É de lamentar a actual situação em relação a prática do Plo-Mon-Dessu, no que diz respeito a sua valorização, visto que em algum momento da nossa vida iremos sentir falta de algo que nos identifique e diferencie de outras povos e culturas. Precisaremos dos nossos elementos culturais específicos que nos identificam e tornam únicos na pluralidade de culturas existentes. Choca-nos a existência de apenas um grupo responsável por esta actividade, grupo este liderado por senhor Capela, homem já de idade avançada, que não tendo a quem deixar/transmitir os seus conhecimentos levará ao desaparecimento desta actividade espiritual mas também cultural, na medida em que é expressão de um povo, do nosso povo.
O Plo-Mon-Dessu constituiu, outrora, uma das principais práticas religiosas/pagãs e hoje anuncia-se o seu fim de forma dramática para a cultura são-tomense. Segundo os funcionários da Direcção Geral da Cultura, esta instituição tem dado todo o apoio necessário para promoção e a continuação deste grupo, incentivando o líder a fim de passar o testemunho as pessoas mais jovens, mas é preciso que esses jovens estejam interessados em receber esse testemunho e pelo que parece, não estão. Este grupo foi desde sempre um dos mais destacados de S. Tomé e é considerado o grande sobrevivente dentre muitos outros que ao longo dos anos foram desaparecendo
Tudo que tem nome de trabalho, exige esforço por parte dos que o fazem, este não fugiu à regra, foi com muito esforço, vontade e ajuda de algumas pessoas que conseguimos concretizá-lo.
Após o mesmo, consideramos que enriquecemos os nossos conhecimentos culturais ligados ao tema, estando agora em posição de dar a conhecer dois dos muitos elementos culturais que tantos valorizam a nossa cultura: Plo-Mon-Dessu e o Pagá-Devê.
Ao longo do nosso trabalho evidenciamos a importância da valorização e preservação destes mesmos elementos patrimoniais e foi com muita dor que constatamos a desvalorização destas mesmas actividades que tal como outras caminham a passos largos para o desaparecimento.
Urge uma melhor valorização e promoção destas actividades, pois, os nossos netos poderão a nunca poder observar estas e outras. E quanto a leitura sobre as mesmas é também quase impossível devido aos escassos estudos existentes.
Obviamente esperamos pela seus comentários. Não deixe de os fazer. São indespensáveis para consolidação do nosso trabalho. Ei! Está aí? Então vá... deixe a sua opinião. Obrigada.
Berlindo, Amarildo e João
Ø Valverde, Paulo; Mascara, mato e morte: Publicação patrocinada pelo instituto português de livro e biblioteca e ministério da cultura, celta editora
Ø Povô Flogá
2 comentários:
Também há referências a essas crenças no livro de Jerónimo Salvaterra, "Mangungo", recentemente reeditado
A vossa página tem sido uma preciosa fonte de informação para a minha atividade no México, como leitora do Instituo Camões. Obrigada pelo esforço e pelo cuidado na recolha de informação e redação da mesma. Sem vocês, falar de São Tomé e Príncipe teria sido muito mais difícil!!! Parabéns pela iniciativa e muito obrigada!! Maribel Paradinha
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