Este é um blogue que surge no âmbito da disciplina de História do Património (Professora Marta M. Gomes), inserida na área de Humanísticas - Turismo, dos Cursos Secundários Profissionalmente Qualificantes. Durante o decorrer deste ano lectivo serão aqui colocados excertos dos trabalhos realizados pelos alunos no sentido de dar a conhecer o património existente em S. Tomé e Príncipe, mas também, visando o objectivo de promover turisticamente este belíssimo arquipélago. Pretende-se ainda, promover uma cidadania activa, no que diz respeito à preservação e manutenção do Património existente.

Esperamos que encontre aqui razões suficientes para visitar a nossa casa e para todos os que já aqui vivem, esperamos que consigamos o objectivo de espalhar a mensagem de que é preciso preservar a nossa história a fim de legar às gerações futuras uma herança digna de ser respeitada e apreciada.

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quarta-feira, 5 de março de 2008

D'Jambi

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Nas ilhas maravilhosas de S. Tomé e Príncipe, cujo povoamento surgiu dos diferentes pontos de África, nomeadamente: Angola, Cabo-Verde, Moçambique e outros que orgulhosamente trouxeram as suas culturas, e com elas a pratica de feitiçaria, dança, misticismo entre outras que caracterizam fortemente o povo africano. Desta mistura surgiu o “D’Jambi” que pelo seu lado místico suscita muita curiosidade a quem visita S. Tomé.

Entende-se por D’Jambi um ritual mágico ligado ao misticismo, cujo objectivo é de curar os enfermos e acalmar os espíritos dos antepassados.

D’Jambi é um ritual realizado por um mestre “méçe” (curandeiro) e o seu ajudante, neste acto fazem magia branca ligada ao cristianismo com objectivo de curar os que padecem de loucura, perseguição, fraqueza, mau olhar e os enfeitiçados de uma forma geral.

Os mestres realizam-no em diversos pontos do país todos os fins-de-semana, com excepção do domingo e no tempo de “Quaresma”, isto porque estando os curandeiros ligados ao cristianismo, principalmente católico, obedecem as normas impostas, como o respeito ao domingo por ser considerado dia do Senhor e o tempo de “Quaresma” como um tempo de reconciliação, sacrifício, tranquilidade e reflexão para os fiéis.

É de salientar que fora disto, os curandeiros na realização dos rituais, também se tornam praticantes, ou seja, os “méçes” como são conhecidos são os primeiros a “tomar santo”, mastigando objectos cortantes e trespassando os seus próprios corpos com os mesmos, bem como os outros praticantes que “tomam santo”.

Este acto é praticado principalmente pelos “forros”, entenda-se os naturais de S. Tomé (deste nome porque foram alforriados).

Os “forros” acreditam cegamente neste ritual, tal como no seu efeito, sendo neste que encontram a “cura/protecção das pragas e feitiços vindos dos feiticeiros ancestrais inimigos” que usavam magia negra ligada ao demónio com o objectivo de lhes fazer mal.

Importa frisar que as marcas que surgem das práticas de “torturas” feitas pelos feiticeiros e praticantes no decorrer do ritual no dia seguinte simplesmente não existem.

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No D’Jambi existem diversos acessórios associados ao ritual, para que este se torne mais enigmático e mais atractivo para aqueles que assistem e participam. Nestes acessórios podemos ver elementos do nosso quotidiano. É comum ser encontrado num D’Jambi uma mesa na qual se encontram vários alimentos, doces, candeeiro de azeite, bebidas (vinho de palma, aguardente e vinho tinto), cigarros, cola (alimento utilizado pelos idosos), jarra com flores e ainda se encontra um prato feito com uma mistura de cola, gengibre, farinha de mandioca e azeite de palma.

Segundo a crença popular é necessária a existência destes elementos porque os espíritos que vêm manifestar-se no corpo das pessoas são os nossos antepassados, e quando estavam vivos usavam estes elementos, então é conveniente oferecer-lhes esses artigos, como forma de respeito e se tal não acontecer seria tomado pelos antepassados como uma afronta.

Temos ainda as comidas que são feitas para serem oferecidas ritualmente aos antepassados no D’Jambi e que normalmente são repartidos depois da meia-noite por todo o quintal e principalmente em forma de cruz e que no crioulo são-tomense dá-se o nome de “cudia”. Estamos a falar comidas como “quisacá”, feijoada a moda da terra e banana com peixe cozido. Por último temos a galinha preta, a fogueira e a tocha a arder.

A galinha preta serve para oferecer o sangue aos espíritos, a fogueira funciona como uma força impulsionadora que atrai as pessoas “montadas” (possuídas) e a tocha a arder serve para anunciar a existência de um D’Jambi no local.

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Em relação à crença popular, podemos dizer que as pessoas acreditam parcialmente no D’Jambi tanto no seu poder curativo como na sua capacidade de descobrir os males das pessoas e isso pode-se verificar na pesquisa realizada junto à população e também no número de pessoas que assistem ao D’Jambi.

As pessoas que montam fazem isso porque acreditam piamente que quando os espíritos se manifestam nos seus corpos funcionam como defesa do seu próprio corpo. Normalmente as pessoas que montam são possuídas pelos seus antepassados, estando fortemente ligadas às crenças familiares, isto porque se numa família as pessoas adultas montam há uma tendência para a camada mais jovem também seguir este ritual. Muitos dizem que é através do D’Jambi e do montar (tomar santo, ou seja, os espíritos se manifestam através do corpo da pessoa) que se vai descobrir quem no quintal pratica ou praticou um mal ou também pratica a feitiçaria, podendo desta forma curar-se desse mesmo mal.

As pessoas quando são possuídas, têm a tendência de ir buscar outras pessoas presentes que estão amaldiçoadas e tentam curá-las e é comum ver que aquelas pessoas aceitam serem submetidas a diferentes tipos tratos porque acreditam que na realidade estão amaldiçoadas e podem ser curadas. É também comum quando uma pessoa que está possuída pelo espírito ir ao encontro de outras que estão a assistir e em quem ainda não se manifestou nenhum espírito, logo que a outra pessoa, já montada, a toca, esta imediatamente recebe o espírito e passa a estar possuída (montada), porém quando a pessoa montada tem um contacto com alguém que está a assistir e que nunca foi possuída por um espírito (ou não acreditam), algo contrário acontece, a pessoa não monta, nem cai possuída pelo espírito, ficando como se nada tivesse acontecido (é-lhe indiferente a situação) e são estas mesmas pessoas que muitas vezes vêm de muito longe para assistir a este ritual.

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Quando falamos no seu valor patrimonial, vimos que D’Jambi é um ritual com bastante reconhecimento no país, o que faz com que as pessoas tentem preservá-lo, sobretudo porque com o passar dos anos tem vindo a diminuir o número de praticantes. Este ritual é simultaneamente temido e admirado por muitos, o que faz com que desperte grande curiosidade por parte das pessoas que assistem.

Esta prática cultural não considerada ainda estatalmente como nosso património, deveria ser classificada para posteriormente haver uma maior preservação da mesma pelos são-tomenses em todos os locais da ilha. Mesmo com um certo receio por parte da população, elas continuam firmes na sua vontade de querer ver, o que contribui para que esta manifestação cultural não morra, não nos devemos esquecer que o D’Jambi faz parte da cultura do nosso país.

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Baseados nos estudos feitos podemos constatar que o D’Jambi é um elemento cultural muito forte na nossa cultura, pelo seu misticismo e crendice popular a que está relacionado. Esta é uma área que desperta bastante curiosidade no ser humano desde sempre, e como vimos o D’Jambi tem o mesmo poder, não podendo portanto ser banido da nossa cultura, pelo contrário, poderá ser aproveitado para a promoção turística/cultural do nosso país.

Nos últimos anos temos vindo a ver uma perda de entusiasmo da população no que concerne a muitos elementos culturais existentes no país e se não formos nós mesmos a reabilitarmos essas manifestações, a nossa cultura acabará por morrer. Por isso temos que tomar consciência que estamos a desvalorizar o que é nosso e que é preciso continuar a apoiar a nossa cultura para que ela sobreviva na globalização.

Enquanto alunos, entendemos que o nosso trabalho apenas estará concluído quando tivermos a sua opinião. Não deixe de fazer chegar até nós as suas crítcas, observações e comentários. Obrigada pelo seu apoio.

João, Teodora e Maury

3 comentários:

Madalena disse...

Conheci hoje este blog. Gostei imenso do que vi, e fica, de facto, a vontade de conhecer as ilhas. Pode ser que um dia se proporcione.
Parabéns aos alunos que desenvolvem estes trabalhos. Parabéns aos professores que orientam os alunos e que divulgam os trabalhos.
Contineuem!
Um abraço
Madalena

Conceição Carvalho disse...

Parabéns aos autores deste blog. Deixei há largos anos a minha querida terra e é com orgulho que leio os vossos trabalhos. Continuem a divulgar as tradições, usos e costumes de S.Tomé e Príncipe. Quem não conhece o que é seu, jamais valorizará e amará o seu país.
Parabéns, uma vez mais. Estimem os vossos professores! É a melhor recompensa.
Um abraço.
Conceição Beirão Carvalho

mmg disse...

Este comentário foi deixado pelo DAN, mas acidentalmente apaguei. Pelo que fica aqui como copy e paste.
Obrigada DAN pelo contributo.

"Tive hoje o primeiro contacto com esta tradição Saotomense. Num quintal, forrado a chapa de zinco, com cerca de 40 pessoas espalhadas de forma desordenada, havia ao centro um banco de madeira onde se iam sentar os tomados, por sua própria iniciativa ou convocados pela curandeira.
de um lado do banco haviam duas mesas ornamentadas; uma continha imagens religiosas, cristãs e de outro lado flores e comida.
Os tomados, despidos de cintura para cima, homem ou mulher, rodeados pela curandeira que com uma bacia contendo liquido e uma ave morta os benzia e esfregava a cabeça com os restos da ave e os salpicava de agua. ao mesmo tempo expelia labaredas de fogo da sua própria boca por cima da cabeça do tomado.
A participação era activa e praticamente todos participantes tomavam o lugar no banco sem ser convocados. A convocação era feita pela curandeira que se deslocava no meio das pessoas e lhas dava uma palmada no peito. logo de seguida o tocado despia o tronco e se encaminhava para o bando onde recebia a benzedura para espantar os espíritos ou maus olhados.
Era fantástica a predisposição dos participantes, sentia-se que acreditavam piamente no acto em que se entregavam.
Não participei, eu mais o meu amigo Santomense que ali me levou, levanta-mo-nos e saímos do quintal sorrateiramente quando começamos a ver que pouco mais do que duas pessoas estariam sem ter participado.
Se tivesse sido convocado certamente me sentaria no banco, pois não iriam de modo nenhum beliscar a festa a que estava a assistir. No entanto não sendo minha crença resolvi incitar o meu amigo a sair antes.
Não acredito nestas coisas mas respeito aprofundamento as pessoas que ali estavam porque vi que acreditavam e que era uma forma de viver deles próprios.
18 de Julho de 2015"